“Nossos partidos são verdadeiros clubes de interesse sem nenhuma consistência nacional.”
O artigo é de Maria Lucia Victor Barbosa, publicado em 13 de dezembro de 2019 por Tibério Sá Maia no SAMAÚMA ON LINE, ilustrado com charges de feras do humor brasileiro, publicadas em diversos jornais e revistas: “Entre as funções de um partido político pode-se citar: enquadramento ideológico ou doutrinal dos candidatos; recrutamento e seleção dos candidatos; coerência interna no que diz respeito a disciplina do voto.
Contudo, pode-se notar com clareza, que nossa realidade partidária passa longe dessas características. Nossos partidos são verdadeiros clubes de interesse sem nenhuma consistência nacional, costuradas ao sabor das ambições de poder pelo poder, de interesses eleitoreiros e de conveniências imediatistas.
A Constituição de 1988 acabou sendo uma “colcha de retalhos”. Mesmo porque, naquela época os partidos já se encontravam totalmente descaracterizados como representantes da opinião pública ou segmentos sociais. Para além de uma reacomodação dos políticos antes contidos no bipartidarismo, surgiu um processo acentuado de trocas de siglas que sugeria o oportunismo da caça às vagas nas convenções e o acerto de interesses eminentemente pessoais de poder pelo poder, de levar a melhor.
Pode-se dizer que, de 1986 em diante nossos partidos que guardavam as características brasileiras do “jeitinho” e do “levar vantagem em tudo”, começaram a se assemelhar cada vez mais aos catch-all-parties ou partidos agarra-tudo, surgidos na Europa na década de sessenta. Essas agremiações tinham como objetivo captar o máximo de votos, atrair eleitores diversos ou até contraditórios, não assumiam uma ideologia precisa e se voltavam para eleitores e não para os militantes geralmente dirigidos por elites que não saiam de suas bases.
Esse contexto desnorteia o eleitor quando este tem de dar seu voto. Por conta disto prevalecem nas escolhas apenas a emoção e não a racionalidade, a personalização do poder (vota-se no candidato e não no partido), o jogo e a aposta. Mantêm-se, portanto, nas eleições o aspecto lúdico ou circense da política onde tantos populistas com suas discurseiras que encantam massas, costumam levar a melhor nas urnas.
Com o advento das redes sociais mudanças vêm ocorrendo e, entre elas, o que chamei de Quinto poder, significando que a interação e a organização de indivíduos se processam de modo horizontal e não estabelecidos de cima para baixo.
Espontaneamente formam-se grupos de pressão e de interesse capazes de arregimentar manifestações de rua, a participação em eleições com escolha de candidatos devidamente escolhidos através de critérios baseados em valores e comportamentos, e de influenciar e pressionar os Poderes constituídos de maneira não nunca havida anteriormente.
Um desses grupos, denominados movimentos de renovação, intensificaram sua atuação com o objetivo de renovar os desgastados partidos políticos. São como uma espécie de escola política voltada para capacitação de quadros políticos, a formação de líderes, a qualificação de políticos.
Os grupos tornaram-se capazes de orientar candidatos e elegê-los. Em 2018 emplacaram 30 representantes no Congresso e 54 deputados federais e senadores. São custeados por doações privadas e informam que juntos possuem um orçamento de R$ 29,6 milhões.
Segundo matéria do O Estado de S. Paulo (08/12/2019), “deputados que saíram dos grupos de renovação apresentam mais projetos, trabalham mais em grupo, gastam menos verba e têm menos faltas que a média dos demais parlamentares”.
Num Congresso, onde avantajado grupo de parlamentares está acostumado a barganhar votos, buscar interesses particulares e que, só para citar um exemplo atual, dilapidou o projeto anticrime do ministro Sérgio Moro e está protelando a decisão sobre prisão em segunda instância, algo que se assemelha a uma ode ao banditismo e à corrupção, os grupos de renovação tornam-se interessantes vias, não de exclusão dos partidos políticos uma vez que com todos seus defeitos eles são necessários para a representatividade política da população, mas de se colocarem como meios de alternância comportamental da política tradicional através de novas lideranças, nas quais maior responsabilidade, ética e busca de bem comum começam a quebrar comportamentos indesejáveis das oligarquias partidárias.
Parece utopia, dirão alguns, mas, concretamente, já está acontecendo uma mudança. E isto não existia antes.” (Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga).
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